domingo, 30 de janeiro de 2011

Comunicação no Brasil é mesmo uma Zorra Total


Zorra, substantivo feminino que significa barulho, ruído, confusão. Diz-se de qualquer organização malfeita, preferencialmente. Esta casa está uma zorra, a festa foi uma zorra, este departamento é uma zorra, diz-se de uma residência mal-arrumada, de uma festa barulhenta e incômoda ou de um setor de trabalho mal-organizado.
Não há melhor definição para o que é – ou como está – a comunicação no Brasil. Sobretudo no que diz respeito a concessões públicas de rádio e tevê, de propriedade de todos nós e que, portanto, não podem ser usadas para atender a grupos políticos, ainda que possam ser exploradas comercialmente.
Não se pode questionar, nem em pensamento, a premissa imperativa de que criações artísticas e culturais – e, em princípio, por pior que seja, toda criação de entretenimento assim deve ser considerada –, desde que não atentem contra ditames legais elementares relativos a direitos e garantias individuais e coletivos, sejam totalmente livres de censura.
Já o humor político, este é tão antigo quanto a civilização. O processo civilizatório da humanidade, porém, fez com que seja considerado imperativo, quando se faz humor com políticos usando meios que pertencem a cidadãos de todas as colorações políticas e ideológicas, que nenhuma dessas correntes seja poupada.
Não haveria mal em um programa humorístico com um quadro fazendo piada sobre o ex-presidente Lula se os autores do programa tomassem o cuidado de fazer o mesmo com José Serra, por exemplo, de forma a não usarem uma concessão pública para ridicularizar um político e poupar seus adversários, beneficiando-os por tabela.
A Globo, porém, não esconde a usurpação que fez de um meio público de comunicação, transformando-o em arma de luta política de partidos com os quais mantém uma aliança tácita, segundo sugerem fatos como o uso de programas humorísticos com viés partidário, atacando os adversários daqueles partidos.
Com o falecimento do humorístico global Casseta & Planeta por conta da audiência cadente, o que ocorreu devido a que o público daquele programa, mais intelectualizado, percebera que havia se transformado em arma política, restou na Globo só o Zorra Total, ganhador hors-concours de todos os “prêmios” de pior programa humorístico da TV brasileira e afeito a um público mais ingênuo, politicamente.
Zorra Total. Que nome poderia definir melhor o estado da comunicação no Brasil? Uma comunicação em que as concessões públicas foram privatizadas por partidos como o PSDB e o DEM através de acordos obscuros com a família Marinho, controladora do império global.
O público jamais verá, em um programa humorístico da Globo, um sósia de José Serra tentando, sem sucesso, eleger-se síndico de prédio, ou com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso passeando com aliados, tais como o candidato tucano a presidente no ano passado, vestindo uma burca ou com uma caixa de papelão cobrindo a cabeça.
O humor político da Globo tem uma  direção só. Portanto, uma direção burra como a que o leitor verá na transcrição de quadro do programa Zorra Total do último sábado à noite, logo abaixo. Um produto de roteiristas que enxergam seu público como dotado de quatro patas e sem nenhum neurônio.
Nesse quadro, o ex-presidente, de pijamas, conversa com a esposa.
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“Dona Marisa faz ginástica, mas Lula só pensa em uma vaguinha no time de Dilma”
Lula – Ô, Amorzinho… Marisa, me ajuda aqui, meu amor – vem aqui. Olha só, to quase acabando, pa encerrá (sic) – lê palavras cruzadas que estava fazendo. – Ex-chefe de nação, barbudo e atualmente aposentado, com quatro letras… Já sei, companheira, tá na mão de Deus! Como é que se escreve Fidel?
Marisa – Luiz Inácio – diz, impaciente –, que Fidel o quê! Fidel tem cinco letras! Esse ex-chefe de nação, barbudo e aposentado, é você. Ele, uh, ele, aaah, Lulaaa! Quatro letraaas!
Lula – Eu? Que que é isso (sic), companheira?! Não to aposentado de maneira nenhuma. Nunca houve na história desse (sic) país um ex-presidente tão ativo como eu. Não quero mais fazer palavra cruzada – acesso de raiva, atirando a revista sobre a mesa – Eu vou procurar outra coisa pra fazer.
Marisa – Você não quer malhar um pouquinho, não, hein? – apontando a esteira de corrida.
Lula – Malhar é coisa da oposição. Passaram oito anos me malhando. Tudo invejoso! Ora…
Marisa – Desapega, Luiz Inácio. Eu to falando de exercícios físicos. É bom você entrar em forma, hein. Senão, nem no time da esquina vão te deixar jogar.
Lula – Companheira, e eu sou homem de jogar em time da esquina? Eu to interessado numa vaguinha do time da companheira Dilma, isso sim. Aliás, aproveita a oportunidade, vai lá, liga pra ela e pergunta se eu já to escalado.
Marisa – Não adianta nada ligar pra ela. O time dela já tá completo…
Lula – Não tem problema, companheira – diz, desconsolado. – Eu posso até ficar fora do time, mas eu vou ser o juiz do jogo, a autoridade máxima.
Marisa – Que “autoridade máxima”, o quê! Desapega, Luiz Inácio, você não apita mais nada.
Lula – Pára com isso… Marisa, esse aparelho aí, é o que? – pergunta, examinando a esteira de exercícios.
Marisa – Isso aqui é uma esteira ergométrica, entendeu. Você anda, anda, anda e não sai do lugar.
Lula – Esse exercício eu já fiz muito. Fiquei marcando passo durante oito anos… Marisa, pra que que serve (sic) esse botãozinho aqui, ó?
Marisa – Isso aqui é pra regular a inclinação da esteira, entendeu. Olha só: assim, dá a impressão que você tá subindo uma rampa…
Lula – Subindo a rampa? Marisa, pelo amor de Deus, deixa eu treinar aqui assim – com um pulinho lépido, sobe na esteira. – Ó!, to subindo a rampa, Marisa. Ai que saudade que eu tenho!
Marisa – Desapega, Luiz Inácio! Esse negócio de subir rampa não é mais pra você… Olha só: por que você não pega um pesinho e faz uma musculação, hein?
Lula – Fazer uma musculação – flexiona o braço direito com o peso em punho. – Não, deixa quieto. Deixa isso aqui quieto, Marisa. Você sabe que pegar no pesado não é comigo. Eu já sei o que eu vou fazer: eu vou dar uma corridinha pela praça. Fazer uns Cooper (sic), he, he.
Marisa – Ah, sei… Essa corrida, você vai se preparar pra corrida que vai ter daqui a quatro anos – diz enquanto “Lula” abre a porta da rua. – Você volta pro jantar, Luiz Inácio?
Lula – Volto. Essa corrida vai ser longa, mas eu volto. Depois que acostuma, a gente sempre quer voltar – olhando para a câmera com um sorriso maroto.
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Se quiser assistir a essa indignidade por sua conta e risco, clique aqui
Enviado por Adolfo Fernandez
Artigo reproduzido do Blog da Cidadania de Eduardo Guimarães

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Mensalão: a hora da verdade


Ao fim deste ano, o inquérito do “mensalão do PT” irá a julgamento no Supremo Tribunal Federal. Entre os 40 acusados em 2006 pelo ex-procurador-geral da República Antonio Fernando de Souza por supostamente terem operado um esquema de compra de votos de parlamentares para votarem a favor das proposições do governo Lula ao Congresso está o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu, o personagem mais central do caso.
O ex-presidente Lula, ao final de seu mandato, manifestou publicamente, por reiteradas vezes, convicção de que jamais existiu um esquema de compra de votos de parlamentares capitaneado por Dirceu ou por qualquer outro, e de que órgãos de imprensa e oposição inventaram esse esquema visando derrubar seu governo.
Compartilho a visão do ex-presidente Lula sobre o “mensalão do PT”. E vou mais longe: talvez mais do que pretender o impeachment do ex-presidente, a oposição e a mídia se valeram da prática então amplamente disseminada entre todos os partidos de receberem doações para campanhas eleitorais sem registrá-las oficialmente para criarem uma acusação que visou destruir Dirceu politicamente, pois era visto como o candidato natural de Lula à sua sucessão em 2010.
É consensual entre a classe política e os que vêm estudando o processo que tramita no STF a expectativa de que será considerada improcedente a teoria de que o governo Lula organizou um esquema de pagamento de mensalidades a parlamentares usando dinheiro público ou privado. E mais: acredita-se que Dirceu deve ser inocentado, sendo condenados apenas os que pagaram ou receberam doações de campanha que não foram contabilizadas pelos partidos da base aliada daquele governo.
Enquanto isso, vai passando batido na mídia o início do julgamento do igualmente suposto “mensalão tucano”, cujo personagem principal é o ex-governador de Minas Gerais e ex-presidente do PSDB, Eduardo Azeredo, que recebeu doações de campanha do mesmo ex-publicitário Marcos Valério que também doou dinheiro para as campanhas de petistas e aliados.
Ambos os casos não me parecem constituir qualquer esquema de compra de votos de parlamentares através de mensalidades pagas pelo governo federal ou pelo governo de Minas, enquanto encabeçado por Azeredo. O único mensalão – no sentido de compra de parlamentares pelo Executivo – que existiu comprovadamente, a meu ver, foi o do DEM, encabeçado pelo ex-governador de Brasília José Roberto Arruda.
O “mensalão tucano” será julgado discretamente e só os que se interessam por política e não se limitam à grande imprensa tomarão conhecimento. Todavia, assim como o ministro do STF Ricardo Lewandowski disse, em 2007, que aquela Corte aceitou o processo do “mensalão petista” com “faca no pescoço”, em alusão à pressão que a mídia fez para que tal decisão fosse tomada, no fim deste ano haverá nova pressão – talvez até maior – para que a tese tucano-pefelê-midiática seja contemplada.
Aliás, foi o episódio da “faca” que Lewandowski disse que a mídia pôs no “pescoço” do STF que deu  origem ao Movimento dos Sem Mídia, porque, assustado com a teoria de que a Suprema Corte brasileira processou cidadãos com base em “pressão” de meios de comunicação, escrevi um post exortando os leitores deste blog a irem para diante da Folha de São Paulo protestar contra tal barbaridade.
Podem ir se preparando, portanto, ó defensores da democracia e do Estado de Direito, pois a sociedade civil deve se organizar para se contrapor à nova tentativa que a mídia e a oposição irão desencadear no fim do ano para que o STF julgue o “mensalão petista” como querem, pois se o resultado for diferente – sobretudo se Dirceu for absolvido – cairá por terra a maior estratégia de ataque político da direita brasileira.
Desde já, portanto, caros leitores, vocês fiquem de sobreaviso para integrarem as manifestações que sociedade civil, sindicatos, movimentos sociais e partidos políticos terão que desencadear para garantir que o Supremo Tribunal Federal decida livremente, sem pressões, sobre um processo fantasioso, espúrio, que teve origem nos interesses políticos de dois ou três partidos e de meia dúzia de impérios de comunicação.

Artigo reproduzido do Blog da Cidadania - Eduardo Guimarães

Enviado por Adolfo Fernandez

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Inundação de Franco da Rocha: Uma irresponsabilidade da Sabesp

Júlio Cerqueira sobre a inundação de Franco da Rocha: Uma irresponsabilidade da Sabesp


Reproduzo artigo do Sítio Vi o Mundo, de Luiz Carlos Azenha.
de Conceição Lemes
Na última semana,  Franco da Rocha, a 45 quilômetros da capital paulista, “ganhou” o noticiário nacional. Na quarta-feira, 12,  amanheceu inundada, inclusive a Prefeitura. Em certos lugares, a água subiu 2 metros. A população de 120 mil habitantes ficou ilhada.
Sábado, 16 de janeiro, os moradores começaram a voltar para casa. A remoer-lhes esta dúvida: A Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) agiu corretamente ao abrir acomportas?
“Por telefone, no dia 11 [terça-feira], a Defesa Civil de Franco da Rocha foi comunicada que no dia seguinte [12, quarta-feira] a Sabesp iria abrir as comportas da represa Paiva Castro e liberar 15 metros cúbicos por segundo [15m³/s]”, diz ao Viomundo João Cruz, assessor de imprensa da Prefeitura do município. “Nada mais foi dito.”
“Por telefone?”, esta repórter questionou-o.
“Só por telefone!”
“Foi só esse comunicado à Defesa Civil?”,  a repórter insistiu.
“Só isso. Nada mais.”
“Nem que aumentariam a vazão de 15 m³ para 80 m³/s?”
“Não. Em nenhum momento.”
“No dia 10 [segunda-feira], choveu bastante, mas no 11 deu uma estiada, durante o dia”, prossegue  Cruz. “Fomos dormir com os pontos tradicionais de alagamento quando chove aqui. No dia 12 [quarta-feira], amanhecemos debaixo d’água. A inundação foi devido à abertura das comportas da Paiva Castro e não às chuvas que caíram antes.”
Ou seja, em 11 de janeiro, a Defesa Civil de Franco da Rocha foi comunicada que no dia 12 a Sabesp iria abrir as comportas da represa Paiva Castro. Guarde essa informação.
No dia 12, quarta-feira, em entrevista coletiva, a Sabesp afirmou que a abertura das comportas era necessária.
Será? A Sabesp teria agido no momento adequado?
O QUE ACONTECEU EM 2009/2010 NO SISTEMA DO ALTO TIETÊ
As represas liberam água o ano inteiro para os rios envolvidos manterem as suas características. Na maior parte dos meses, em pequenas quantidades.  Porém, por volta de setembro, outubro ou novembro, dependendo do volume represado, começam a soltar progressivamente mais água. É para evitar que as barragens fiquem lotadas na época das chuvas. Quando essa recomendação não é seguida, há dois riscos: 1) rompimento das barragens; 2) abertura das comportas numa época em que os rios estão naturalmente cheios devido às chuvas, causando inundações nas regiões abaixo.
“O Pantanal [em 23 de janeiro] inundou, de novo, porque as barragens do sistema do Alto Tietê estão excessivamente cheias para o verão, e a Sabesp abriu as comportas, contribuindo para alagar ainda mais região”, denunciou, na época, ao Viomundo José Arraes. “É uma irresponsabilidade a Sabesp e o Daee terem deixado a cheia chegar, para começarem a descarregar água dos seus reservatórios. É um crime. É um erro tremendo de gerenciamento.”
Arraes é economista, ambientalista, membro do Comitê da Bacia do Alto Tietê, do Subcomitê da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê e do conselho gestor da APA (Área de Proteção Ambiental) da várzea do Tietê. No final de 2009, ele e outros ambientalistas alertaram à Sabesp e ao Daee [Departamento de Águas e Energia Elétrica], órgãos do governo do Estado de São Paulo, que as barragens do Alto Tietê estavam lotadas demais para o verão.
A de Paraitinga (em Salesópolis), tem capacidade para 37 milhões m³, estava com  92% da sua capacidade. A de Biritiba-Mirim (no município do mesmo nome), 35 milhões m³, estava com 94%. A de Jundiaí (em Mogi das Cruzes), 84 milhões m³ e 97% de cheia. A de Ponte Nova, 300 milhões m³, estava com 73%. A de Taiaçubepa (entre Mogi das Cruzes e Suzano) tem capacidade para 82 milhões m³, estava com 73% de cheia.
A questão do desassoreamento persiste em 2011. Segunda-feira passada, 10 de janeiro, a capital paulista submergiu mais uma vez. Apesar de Ronaldo Camargo, secretário de Administração das Subprefeituras da capital, jogar a culpa em São Pedro (clique aqui para ler), o rio Tietê e vários afluentes transbordaram por falta crônica de capacidade e de limpeza. Diferentemente de 2010, as barragens do sistema do Alto Tietê não tiveram influência nas inundações que atingiram este ano certas áreas do Pantanal, como a Vila Itaim e a Chácara Três Meninas.
“A denúncia do Viomundo deu resultado. Este ano as barragens do sistema do Alto Tietê entraram preventivamente no período chuvoso com 70%  da capacidade de armazenamento, diferentemente do verão passado, quando estavam com 99%”, observa José Arraes. “ Quem passa habitualmente pelas marginais do Tietê, deve ter percebido que, no segundo semestre de 2010, o leito estava mais cheio e não ‘lá no fundo’, como em 2009, quando o rio era apenas uma lâmina de uns 20 centímetros.”
“NÃO HÁ NADA QUE POSSA JUSTIFICAR A DESCARGA DE 80 M3/S”
E o que tem a ver o sistema do Alto Tietê, Zona Leste da capital paulista, com o da Cantareira, Zona Oeste?
Tenham um pouco de paciência. O assunto é complicado. O sistema Cantareira inclui várias barragens:
* Jaguari/Jacareí – 808 milhões m³
* Cachoeira – 79,6 milhões m³
* Atibainha – 96, 2 milhões m³
* Paiva Castro – 7,6 milhões m³
Elas são interligadas por túneis, que funcionam como vasos comunicantes.  A Jaguari-Jacareí descarrega água na Cachoeira, que lança na Atibainha, que, por sua vez, manda para Paiva Castro. Daí, via estação elevatória de Santa Inês, vai para o reservatório de Águas Claras. O destino é a estação de tratamento de água do Guaraú.
Assim, continuamente elas descarregam  água – mais ou menos —  na seguinte.
A explicação que demos para o sistema do Alto Tietê, vale para Jaguari-Jacareí, Cachoeira e Atibainha. Essas três represas não podem estar lotadas na época das chuvas, pois correm o risco de transbordamento ou de rompimento. Recomenda-se que, antes das cheias, soltem progressivamente água, para que fiquem num nível seguro no verão e suas comportas não precisem ser abertas.
Paiva Castro é diferente. Não chega a ser um reservatório de água. É um canal de passagem. Imagine “quatro piscinas”, conectadas por canos. Jaguari-Jaguareí, a maior de todas, é a “piscina olímpica”. Cachoeira, uma “piscina de academia de ginástica”.  Atibainha,” semi-olímpica”. A Paiva Castro é “uma piscina infantil”.
Como essas “piscinas” são integradas e transferem água para outra, dependendo do volume descarregado na “piscina infantil”,  o seu volume pode aumentar muito em poucas horas, mesmo sem chuvas intensas. No dia 10, Paiva Castro estava com 48,67%. No dia 11, saltou para 93,42% . No dia 12, quando atingiu 96,40%, Franco da Rocha amanheceu debaixo d’água.
“A vazão média do rio Juqueri, que é o formador da Paiva Castro, é de 2 m³/s. Esse reservatório repassa para o canal de Santa Inês, em média, 33 m³/s ”, explica o engenheiro Júlio Cerqueira César Neto, ex- professor de Hidráulica e Saneamento da Escola Politécnica da USP. “Essa operação é feita rotineiramente há mais de 30 anos.”
“As chuvas ocorridas na região são consideradas normais para essa época do ano, como atestam os meteorologistas”, prossegue Cerqueira César. “A série histórica de precipitações apresenta dados de mais de 40 anos.”
“Não há nada, portanto, que possa justificar a descarga de 80 m³/sa não ser a irresponsabilidade da operadora da Paiva Castro”, é taxativo Cerqueira César.
PAIVA CASTRO NÃO ATINGIU 97%, EMBORA COMUNICADOS E ALCKMIN DIGAM QUE SIM
No site da Sabesp, não há informações transparentes para o público (consumidores, jornalistas, investidores, etc) sobre cada uma das represas dos seus vários sistemas. Atualmente, estão indisponíveis até internamente para os funcionários. Está aberto apenas o dado global, juntando todas as represas do sistema Cantareira. Mesmo assim não é fácil achá-lo.
O jeito foi recorrer ao Google, pois  buscava informações  detalhadas, diárias,  de cada uma das quatro represas. Busca aqui, busca ali, o que procurávamos encontra-se hoje  lá pelo décimo quarto resultado.  Confira antes que desapareça.  Em cima  desses dados, esta repórter montou a tabela:
Atentem aos dias 10, 11 e 12. No dia 10, a  Paiva Castro estava  com 48,67% do seu volume. No dia 11, saltou para 93,42%. No dia 12, para 96,40%.
Para checar, solicitei  à Sabesp o volume das represas Jaguari-Jacareí, Cachoeira, Atibainha e Paiva Castro também nos dias 1º de outubro de 2010, 1º de novembro, 1º de dezembro e 1º de janeiro de 2011. Comparei as respostas  fornecidas pela Sabesp com os dados  não elencados nos links de suas páginas iniciais e internas,  obtidos com a ajuda do Google.  Todos coincidem, exceto  um. O volume da Paiva Castro do dia 11. O  fornecido pela Sabesp é  97%, enquanto o real é 93,42%. O volume do dia 12 não nos foi enviado.
O printscreen com o recorte  dos dados  obtidos via Google,   exibindo apenas o volume da Paiva Castro nos  dias 10, 11 e 12, confirma isso.
É que com 97% há risco de rompimento dessa barragem — o que justifica  a abertura das comportas.
Só que a Paiva Castro não atingiu 97% nem no dia 10, nem no 11,  nem no 12, quando Franco da Rocha acordou ilhada.
Alguém poderia dizer: “Ah, mas no dia 12, chegou perto – 96, 40%”
No dia 12, Franco da Rocha já amanheceu submersa. Então, por que, curiosamente, o volume do dia 11 foi o único que a Sabesp forneceu errado (via e-mail) para o Viomundo?  A Sabesp nos informou 97%. Só que o volume real era 93,42%
Estranhamente algo mais aconteceu nos dias 10 e 11.
TEMPESTADE DA TERÇA, CHUVA DA NOITE DA SEGUNDA OU IRRESPONSABILIDADE?
Dadas as chuvas que aconteceram na noite de 10/01o volume de água que chegou na represa Paiva Castro fez com que a reservação passasse de 46% para 96% do volume total.
Diante dessa situação, foi necessário abrir as comportas para evitar o rompimento da barragem.
Lembram-se das informações que, lá no início desta reportagem, pedimos para vocês guardarem bem?  São as revelações de João Cruz, assessor de imprensa de Franco da Rocha, ao Viomundo. Elas foram confirmadas pela Defesa Civil e pela Guarda Municipal da cidade. Vale a pena repeti-las aqui.
“Por telefone, no dia 11, a Defesa Civil de Franco da Rocha foi comunicada que no dia seguinte a Sabesp iria abrir as comportas da represa Paiva Castro e liberar 15 m3/segundo”, repetiu-nos várias vezes  João Cruz. “No dia 10, choveu bastante, mas no 11 deu uma estiada, durante o dia. Fomos dormir com os pontos tradicionais de alagamento quando chove aqui. No dia 12, amanhecemos debaixo d’água. A inundação foi devido à abertura das comportas da Paiva Castro e não às chuvas que caíram antes.”
A propósito:
1) Não há elementos para se afirmar que a abertura das comportas se deveu às chuvas, como diz  a Sabesp. Há divergência entre os próprios comunicados da empresa. Um atribui às chuvas do dia 10, outro, às do dia 11.
Qual deles é o correto? Como o diretor diz que a tempestade da terça fez com que a vazão atingisse 80m3/s, se durante o dia 11 a chuva deu uma estiada em Franco da Rocha, segundo João Cruz, que é de lá?
2) A Defesa Civil de Franco da Rocha foi avisada no dia 11 que no dia 12 a Sabesp abriria as comportas da Paiva Castro. Só que as comportas foram abertas no mesmo dia em que foi feita a comunicação.
Como a Defesa Civil poderia ter tomado medidas preventivas em Franco da Rocha se as comportas foram abertas antes do que havia sido comunicado?
Confiram no quadro abaixo. A vazão  de 1 m³/s,  às 8 h, pulou  para 16 m³/s, às 9h. Às 23h, comportas  já estavam jorrando 80 m3/s. A progressão não foi conforme explicação da Sabesp no comunicado em que  cita o governador Alckmin.
Ontem, 17 de janeiro, a represa Jaguari-Jacareí — a maior do sistema Cantareira, com capacidade para 808 mihões m3 —  estava com 100,2% de volume.
“Considerando que Jaguari-Jacareí deve ser operada também para proteger a bacia hidrográfica a jusante  [abaixo] contra inundações, a ocorrência desse nível nessa época do ano, estação chuvosa, não se justifica”, reprova o professor Cerqueira César. “A não ser como mais uma irresponsabilidade da operadora do sistema Cantareira”.
Não se pode entrar na estação chuvosa, repetindo o professor Júlio, com a principal represa cheia, já que vai entrar muita água das precipitações.
Em 1º de janeiro de 2011, Jaguari-Jacareí já estava com 83,97% de sua capacidade (veja a tabela Sistema Cantareira — Volume Operacional). E daí só fez aumentar.
Será que, a exemplo do aconteceu com o sistema do Alto Tietê em 2009/2010, esse procedimento não está equivocado?
Será que se Jaguari-Jacareí estivesse operando com volume compatível para o tempo de chuva, a abertura das comportas de Paiva Castro poderia ter sido evitada?
Será que se os ganhos financeiros da Sabesp não fossem provenientes da venda de água, Jaguari-Jacareí estaria com tanta água na época chuvosa?
São perguntas para as quais não existem, por enquanto, respostas definitivas.
Mas nos parece claro que falta transparência ao gerenciamento das represas paulistas, especialmente quando dependem de transparência e clareza  as ações preventivas da Defesa Civil, de prefeituras e dos próprios moradores das cidades atingidas.
Notem, na reportagem abaixo, que o próprio prefeito de Amparo — uma das cidades atingidas pela vazão de represas do sistema Cantareira — não entende direito o que está acontecendo:

Abaixo, reportagem em que um empresário de Bragança Paulista diz que a Sabesp anuncia uma vazão para a represa de Jaguari (aquela, que atingiu seu limite e passou a verter uma quantidade maior de água nas últimas horas), mas pratica outra:


Infelizmente, é a sociedade que continua pagando a conta em todos os sentidos. Até quando?